Street River

Os caminhos da água e da memória na arte de Luna Bastos

Em Belém do Pará, na Ilha do Combu, Luna Bastos participou do Street River, festival que transformou fachadas de casas ribeirinhas em suportes para arte e cultura. Seu mural integra a primeira galeria fluvial de arte urbana do mundo e estabelece um diálogo direto com a história da comunidade, evocando raízes, fluxos e travessias. Entre os elementos, a artista incorporou o ideograma adinkra Sankofa, símbolo africano que resgata a importância da ancestralidade na construção do futuro.

A pintura nasceu de uma imersão no território e do intercâmbio com seus habitantes. O azul, recorrente em sua obra, conduz a composição e remete à água como elemento sagrado e estrutural da vida ribeirinha. Cercada pelo Rio Guamá, a Ilha do Combu é marcada por uma relação íntima com o curso d’água, meio de transporte, sustento e lazer. Bastos traduziu essa conexão em grafismos que remetem a galhos, raízes e percursos fluviais, compondo um movimento pictórico que reflete tanto a força da natureza quanto as trajetórias humanas que atravessam o espaço.

Durante o processo, um aspecto simbólico ganhou força: na grade da casa onde realizou o mural, já estava presente o ideograma Sankofa. Popularizado no Brasil em portas e janelas, esse símbolo africano carrega a ideia de aprender com o passado para seguir adiante. Bastos, ao ampliar essa imagem em sua obra, evidenciou a influência do conhecimento ancestral africano na arquitetura popular brasileira, mas também reivindicou seu significado original como ferramenta de comunicação e resistência. O ideograma, que simboliza o movimento propulsor da ancestralidade, ganhou centralidade no mural, reforçando os sentidos de memória, resiliência e continuidade da obra.

“Quando comecei a pintura, não havia um desenho definido; tudo foi se construindo a partir do diálogo com a comunidade e o ambiente”, conta Bastos. “Assim que cheguei, percebi que fazia sentido representar a água como raízes que sustentam e possibilitam a existência de tantos modos de vida. Foi interessante porque, no segundo e último dia de pintura, conversando com a moradora da casa, ela me perguntou sobre o significado do mural. Quando expliquei a ideia das raízes, ela conectou isso à própria experiência de vida e falou sobre a importância de ter raízes fortes para enfrentar as adversidades.”

 

Foto: Luna Bastos

Território em transformação: desafios e resistências na Ilha do Combu

Para além da experiência estética, a vivência na Ilha do Combu suscitou reflexões sobre as transformações do território e os desafios enfrentados pelos ribeirinhos. A proximidade com Belém leva muitos moradores a deslocamentos diários em busca de melhores condições, enquanto fenômenos naturais como o assoreamento do rio impactam diretamente as moradias e a infraestrutura local. “Enquanto eu pintava, vi uma casa vizinha sendo desmontada para ser remontada em outro lugar devido ao avanço do rio. Em poucos dias na ilha, percebi tanto as potências quanto as dificuldades, como o acesso precário a necessidades básicas, como água potável”, relata Bastos.

A participação no festival despertou na artista o desejo de permanecer e aprofundar seus vínculos com o território. “O maior impacto foi justamente esse: a vontade de ficar, de entender mais sobre as relações e sobre o lugar”, conclui. Seu mural, agora parte da paisagem da Ilha do Combu, se insere em um fluxo contínuo de memórias, histórias e movimentos entre passado, presente e futuro.

Sobre o festival

O Street River nasceu como um projeto sem fins lucrativos que usa a arte como ferramenta de transformação social de maneira prática e efetiva. Como primeira galeria de arte a céu aberto na Amazônia, a iniciativa busca conectar artistas e comunidades ribeirinhas, promovendo intercâmbios culturais e ampliando narrativas visuais sobre o território. Saiba mais aqui. 

Sobre Luna Bastos

Luna Bastos, natural do Piauí, é artista visual, muralista e tatuadora. Formada em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí, trabalha com diferentes técnicas e suportes, como pintura, bordado e escultura. Sua produção resgata estéticas e saberes ancestrais, evidenciando perspectivas da diáspora africana e articulando elementos tradicionais e contemporâneos em uma linguagem singular. Suas obras tensionam narrativas de apagamento histórico e sacralidade, afirmando memórias e identidades.

Bastos já participou de exposições coletivas em instituições como o Museu de Arte do Rio, o Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, a FGV Arte no Rio de Janeiro e o Museu de Arte de Ribeirão Preto. Seu trabalho também esteve presente em festivais de arte urbana na França, Alemanha, Áustria, Inglaterra e Gana. Com uma trajetória marcada por colaborações e projetos diversos, Luna Bastos segue expandindo seu repertório visual e conceitual, reafirmando a arte como um campo de resistência e diálogo.

Sobre a Aborda 

A Aborda é uma plataforma inovadora dedicada à arte e cultura contemporâneas na América Latina. Nosso foco principal é a representação de artistas visuais, conectando-os ao mercado por meio de projetos artísticos que englobam fins culturais, educacionais e comerciais. Para falar sobre projetos ou adquirir obras de artistas representados, entre em contato por aqui.

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