Os termos “casa de vó” e “casa de mãe” são até hoje utilizados para se referir a ambientes que apresentam características específicas que proporcionam uma sensação de acolhimento e despontam boas memórias, sobretudo de momentos da infância. Parte do imaginário desse ambiente, que se transformou numa forma espacial estereotipada relacionada unicamente às mulheres, foi construído a partir de alguns elementos familiares para a maioria de nós, como como o pano de prato com borda de crochê e pintado à mão, por exemplo. Na elaboração inicial da arte feminista nos anos 1970, muitos destes símbolos associados ao ideal de feminilidade foram ressignificados. Desde cores, como o rosa, até técnicas manuais comumente atreladas às mulheres e menosprezadas pela “grande arte”, como o bordado, o crochê, a costura, por exemplo.
É a partir do encontro da história das mulheres – sem esquecer suas vivências opressivas no passado, mas também de seus saberes – com as perspectivas feministas de insurgência que se posicionam os trabalhos de Pri Barbosa. Nesta ambiguidade de um doméstico provocativo, que não renuncia às memórias, mas questiona a subordinação das mulheres a partir de uma produção que se estabelece em espacialidades também contrastantes, no público e no privado, partindo da ressignificação das experiências da “casa de vó” para além de sua noção estereotipada. Os objetos cotidianos do ambiente doméstico estão presentes, contudo, as lutas não são esquecidas. Se a revolta de muitas das mulheres que ocupavam espaços opressores era quase silenciosa ou inexistente, a potência dos atos cotidianos, na obra da artista, é demonstrada de forma explosiva. O silêncio foi interrompido pela explosão daquelas que não se contentam mais e que não negam suas origens.
“Memento Vivere”, uma das obras expostas, faz referência contrária a simbologia da vanitas, uma temática muito comum nas pinturas à óleo do gênero pictórico conhecido como “natureza morta”. Este gênero de pintura propõe a representação de objetos inanimados cotidianos, como frutas, flores, instrumentos musicais, livros, comidas etc. Como muitos estudos trouxeram à luz novas perspectivas sobre estas produções, hoje em dia sabemos que não são simples representações, mas apresentam conteúdo simbólico e, em muitos casos, estão atreladas ao poder e prosperidade econômica. Um recorte se faz significativo visto que estamos tratando do aspecto da domesticidade. Nas naturezas mortas representa-se o espaço doméstico e, muitas pinturas eram e são utilizadas para decorar salas de jantar, por exemplo, pois fazem referência a itens de alimentação e utensílios de mesa. Por se tratar de uma temática doméstica e privada, muitas mulheres artistas foram conhecidas por trabalhos deste gênero. A vanitas é um tipo de natureza morta que trata da efemeridade da vida, assim, alguns objetos representados simbolizam a passagem do tempo, como a vela, os crânios ou a ampulheta. Memento Mori é a expressão que simboliza as vanitas e significa algo como “lembre-se que você irá morrer”.
Ao contrário, a obra de Pri Barbosa ao mesmo tempo que ressignifica a temática “natureza morta” tão cara às mulheres artistas, celebra a vida de suas ancestrais e lhe dá os meios para que se mantenham resistentes e vivas, tanto em suas histórias quanto com o que venha acontecer. Os rostos de sua mãe e avó foram pintados em caixas de fósforo decoradas com flores que remetem ao que chamamos de “casa de vó” e nelas está escrito Memento Vivere. O recado é: lembrar de viver pelas que vieram antes de nós e por aquelas que virão. Os fósforos ainda não foram acesos e estão vermelhos, ou seja, é possível uma reação a qualquer momento. Quando riscados servirão para acender algo que se pretende incendiar ou iluminar. Assim, ao invés de representar a consequente morte e esquecimento, como a vela em processo de apagamento da vanitas, o fósforo representa a possibilidade de virar chama, a vida que ainda virá.
Todas as obras presentes na exposição estarão disponíveis no Catálogo Ofensiva, que será lançado no dia três de maio por Pri Barbosa, através de uma live no Instagram. Já a exposição fica em cartaz do dia 20 de março a 31 de maio, no Sesc Niterói. O espaço abre de terça à sábado, das 10h às 16h. Entrada gratuita.
Texto: Isabel Carvalho e Gabriela Azevedo
Ao se cadastrar na newsletter, você concorda com a política de privacidade.
Este site é protegido pelo reCAPTCHA e pelo Google Política de Privacidade e Termos de Serviço se aplicam.
dev puga.me
Se deseja discutir aquisições de obras, solicitar orçamentos personalizados, contratar um projeto específico ou explorar possibilidades de parceria, por favor clique aqui.
Se você é um artista e deseja saber mais sobre como ser representado pela Aborda ou discutir oportunidades conosco, envie seu portfólio e/ou proposta clicando aqui.