A arte de rua é, por natureza, uma linguagem de trânsito. Ocupa espaços que não lhe pertencem de forma definitiva, desloca narrativas, inscreve histórias em superfícies que se desgastam com o tempo. No mural O Triunfo, a dupla Drom – formada por Jamaira Pacheco e Santiago Panichelli, artistas representados pela Aborda – transforma essa lógica em metáfora. A obra se estrutura a partir de um diálogo sobre identidade, migração e memória, atravessando temas que perpassam tanto a trajetória dos artistas quanto as histórias dos grupos que inspiraram a pintura.
O ponto de partida para a obra foi o encontro com uma apresentação da comunidade Kalbeliya, grupo tradicional do Rajastão, na Índia. Considerados parte da diáspora cigana do Rajastão, os Kalbeliya resistem ao apagamento de suas raízes por meio da dança e do canto, práticas que se tornaram sua principal forma de transmissão cultural e meio de subsistência. Durante séculos, foram conhecidos como encantadores de serpentes e curandeiros, ocupando um papel marginalizado dentro da sociedade indiana. Com a proibição da prática da manipulação de cobras nos anos 1970, muitos passaram a se dedicar exclusivamente à música e à dança, que se consolidou como uma expressão reconhecida no patrimônio cultural imaterial da Índia pela UNESCO.
Na composição do mural, a imagem se estrutura em dois planos que dialogam entre si, ainda que à primeira vista pareçam mundos distintos. Acima, figuras enraizadas em sua própria cultura se elevam sobre um fundo etéreo, suas vestes ondulantes evocando o movimento da dança Kalbeliya. São corpos em deslocamento, mas que carregam consigo um pertencimento que não se define por fronteiras geográficas, e sim por laços de memória e tradição. Na parte inferior, uma terra sem dono, bombardeada por aqueles que acreditam ser possível conquistá-la. A relação entre as imagens surgiu depois: sem que houvesse intenção direta, os artistas construíram uma metáfora sobre domínios e fronteiras, sobre aquilo que se tenta capturar, mas escapa.
Os temas que emergem em O Triunfo dialogam diretamente com a pesquisa visual e conceitual do Drom. Suas pinturas frequentemente evocam figuras que parecem emergir de estados limiares, entre o sonho e a vigília, o humano e o espectral. Em O Triunfo, essa atmosfera se mantém, mas com um novo significado: o de um corpo coletivo que dança para se lembrar de si mesmo.
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