Exposição Mudanças

Gugie Cavalcanti traz quatro obras expostas dentro do baú de um caminhão de mudança, na cidade de Florianópolis

Segundo o dicionário Michaelis, um dos significados de mudança é “modificação ou alteração de sentimentos, ideias ou atitudes”. Essa é uma das propostas da exposição e ação performativa da artista visual Gugie Cavalcanti, que ocorreu entre os dias 11 e 17 de março de 2022, na capital de Santa Catarina, Florianópolis. As obras foram expostas no interior do baú de um caminhão de mudança, que ficou estacionado por cinco horas diárias, na rua Victor Meirelles, no centro da cidade.

A exposição “Mudanças”, composta por quatro pinturas, propôs uma vivência relacional com as obras instaladas dentro do veículo, sem descaracterizar a aparência exterior. A artista conta que a ideia de expor as obras neste formato surgiu quando percebeu que há vários locais onde esse tipo de automóvel fica estacionado, às vezes durante dias, em uma espécie de autopropaganda,  já que possuem grandes números de telefones e informações úteis pintados no baú.

– Chega a ser poético esse lugar de transportar mudanças. Comecei a pensar no caminhão como um espaço expositivo que pudesse provocar diferentes relações com as imagens, e que também fizesse parte da composição das obras. Arte relacional é sobre essa possibilidade de a gente dialogar com as obras por meio de nossas próprias bagagens. As obras estavam ali, exatamente onde essas bagagens são transportadas. E eu levei as minhas bagagens pessoais por meio das pinturas

Tela “Somos história de alguém”

O ponto de partida para a idealização da exposição foi a inquietação de Gugie, como mulher, negra e mãe, sobre quão problemático é o gostar de uma mulher. Ela provocou as pessoas a repensarem a forma como elas veem esse ser humano que também é mulher. Nas quatro obras – Nascemos de alguém, Somos alguém, Somos história de alguém e Cuidamos de alguém – estavam propostas de diálogo e reflexões para rever o papel social estabelecido para as mulheres. 

As pinturas trazem representações de pessoas próximas à artista, como a filha Cássia e a avó Renilde, além de Alicia Kenobi, mulher trans mestranda em biologia, e de uma imagem criada a partir de uma fotografia de um parto, feita pela fotógrafa Cris Odara, amiga da artista. Todas elas tiveram o objetivo de despertar no público um senso de reconhecimento. A partir da poética da publicidade afetiva, Gugie convida a pensar sobre as múltiplas possibilidades de pessoas do gênero feminino existirem e participarem na vida das pessoas.

– Há um tempo, comecei a trazer mulheres que eu admiro nas minhas obras, e eu chamei de publicidade como uma provocação sobre o fato da rua e dos muros serem mídias também. É a divulgação dos meus afetos.

As obras de arte se completavam a partir da interpretação e do sentimento despertado em cada pessoa que a observava. Com isso, a artista desafiou o público a repensar suas próprias relações com mulheres.

– Esse ‘gostar’ de uma mulher é através da objetificação, controle, morte, estereótipo e isso demonstra uma falta de entendimento sobre as mulheres nas nossas vidas, nas nossas histórias e nossa sociabilidade. A humanização das mulheres pede urgência.

“Nascemos de alguém”
“Cuidamos de alguém”
“Somos alguém”

A arte na rua faz parte da trajetória de Gugie. Ela assina alguns dos murais presentes no centro de Florianópolis, como aquele que homenageia Antonieta de Barros. Em setembro de 2020, também realizou a exposição “Gestos”, quando oito telas foram espalhadas por sete bairros da capital. Com esse trabalho, ela abriu outro campo para além do mural em grande formato e apresentou seu trabalho como uma exposição, que é também uma ação performática.

Assim como em “Mudanças”, todas as obras de “Gestos” retratavam pessoas negras. Por meio da publicidade afetiva, com pessoas comuns que fazem parte de sua vida, ela despertou sensibilidade, registrou a presença e promoveu representatividade destes corpos nos espaços. 

– Em meus trabalhos, utilizo a rua como um acesso a esse lugar de se relacionar com as imagens. Quando eu coloco as obras nas ruas da cidade, a cidade complementa as minhas pinturas. Minhas obras são também o que as cercam em volta.

A exposição “Mudanças” teve a curadoria de Juliana Crispe e produção de Sebastião Gaudêncio Branco. A proposta foi contemplada no Edital Aldir Blanc 2021 do Governo do Estado de SC por meio da Fundação Catarinense de Cultura.

 

Texto: Yasmine Holanda Fiorini

Edição: Gabriela Azevedo

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