A Revolução Industrial trouxe mudanças radicais para a sociedade, redefinindo as dinâmicas de produção, consumo e comportamento. O crescimento da industrialização e da tecnologia moldou novos caminhos, substituindo o artesanato tradicional, realizado por mestres que combinavam técnica e pesquisa manual, pela padronização imposta pelas máquinas. Nesse novo cenário, objetos do cotidiano antes personalizados e carregados de identidade passaram a ser produzidos em massa, perdendo boa parte de sua singularidade.
Contudo, em um movimento contrário à mecanização, muitas técnicas manuais conseguiram se manter vivas e foram ressignificadas ao longo do tempo, especialmente no que diz respeito ao letrismo. Inicialmente restrito a uma função utilitária, como em placas e sinalizações comerciais, o letrismo é uma dessas práticas que transitou entre a comunicação popular e a arte. O filete de caminhão, o letreiro de comércios e outros exemplos de design vernacular, embora muitas vezes associados a conotações pejorativas, representam um saber popular que sobreviveu à automatização. Hoje, práticas como essas são resgatadas e valorizadas, tanto por designers quanto por artistas contemporâneos, que veem nesse resquício de manualidade uma forma de resistência estética e cultural.
Historicamente, o letrismo começou a se aproximar do campo artístico a partir do século XX, quando movimentos como o Futurismo e o Dadaísmo começaram a explorar as possibilidades gráficas e visuais das letras. Esses movimentos enxergaram o potencial subversivo do texto como imagem. Nas décadas seguintes, o letrismo evoluiu para uma forma de arte, influenciando correntes como a Pop Art e até o grafite, sempre caminhando entre os campos do design e da arte.
No contexto das grandes cidades, o letrismo passou a fazer parte da estética urbana. Placas comerciais, letreiros de mercados e padarias se tornaram um símbolo de autenticidade visual, representando a cultura popular em sua forma mais pura. Esses elementos, muitas vezes invisíveis na correria do cotidiano, foram resgatados por artistas contemporâneos que os trazem para dentro das galerias e espaços de exposição, destacando sua relevância cultural e histórica.
Aline Moraes, curadora da Aborda, sublinha a importância desse fenômeno, argumentando que a popularização das tecnologias, incluindo softwares de edição e até inteligências artificiais, embora tenha possibilitado novas abordagens criativas, também promoveu uma uniformização visual. Nesse cenário, o letrismo manual, com suas características, se coloca como um antídoto para essa padronização. O rigor técnico e a inventividade exigidos por essas práticas não são passíveis de reprodução por máquinas, e seus resultados são impregnados de história, contexto social e um forte senso de pertencimento coletivo.
Essa ressignificação do letrismo pode ser vista no trabalho de artistas contemporâneos que exploram essa estética popular como forma de crítica à globalização e à homogeneização cultural. Um exemplo é o uso do letrismo vernacular por artistas como Filipe Grimaldi, que explora símbolos e caligrafias populares em suas obras, conectando o design de rua com o espaço expositivo. Outro exemplo é o fileteado portenho, uma técnica tradicional argentina que combina elementos gráficos e tipográficos e que, de uma prática comercial, foi absorvida pelo universo artístico, sendo declarado Patrimônio Cultural Imaterial pela UNESCO.
A valorização da cultura visual popular e das técnicas artesanais nos permite refletir sobre o lugar da arte na sociedade contemporânea. Ao contrário de um conceito de arte como algo distante, reservado aos museus e às elites intelectuais, o letrismo — e outras práticas similares — reforça a ideia de que a arte está profundamente enraizada na vida cotidiana. Ao trazer esses elementos para dentro das galerias e espaços de exposição, os artistas contemporâneos propõem uma nova forma de engajamento com o público, acessível e carregada de significado.
Além disso, a ascensão de tecnologias como a inteligência artificial, que são cada vez mais utilizadas para atender a demandas comerciais, levantam uma questão crucial: será que a tecnologia é capaz de substituir completamente o trabalho manual? Enquanto as máquinas podem replicar formas e funções com precisão, elas não conseguem capturar o toque humano, as variações espontâneas e a inventividade que definem o letrismo artesanal.
Ao se cadastrar na newsletter, você concorda com a política de privacidade.
Este site é protegido pelo reCAPTCHA e pelo Google Política de Privacidade e Termos de Serviço se aplicam.
dev puga.me
Se deseja discutir aquisições de obras, solicitar orçamentos personalizados, contratar um projeto específico ou explorar possibilidades de parceria, por favor clique aqui.
Se você é um artista e deseja saber mais sobre como ser representado pela Aborda ou discutir oportunidades conosco, envie seu portfólio e/ou proposta clicando aqui.