“É tudo uma questão de tempo”

A construção de uma nova jornada da arte

Há muito tempo eu estudo sobre o que seria uma jornada da arte, li antologias incríveis sobre esse tão famoso mundo da arte. E se posso sugerir alguns, tenho 2 preferidos: “Sete dias no mundo da arte” da Sarah Thorton e “O tubarão de 12 milhões de dólares” sobre a obra de Damein Hirst, neles é possível percorrer toda esse jornada que passa por galerias, escolas de artes, museus, leiloeiros, críticos, revistas, feiras e é claro O artista. Esses textos desvendam esse jogo e como se faz dinheiro e fama com ele.

Confesso que não é essa jornada que me atrai, apesar de ainda ser um jogo muito jogado, acredito que há algum tempo estamos caminhando para um “novo jogo” ou talvez um jogo antigo mas que de alguns anos para cá vem se tornando o que eu chamo de uma “nova jornada da arte”. Jornada essa que não inclui os tradicionais museus, os tão temidos críticos e muito menos as feiras, nessa “nova jornada” o que importa são as novas mídias, o público, as empresas e influenciadores que juntos apresentam um novo artista: O ARTISTA POP STAR. Quando chamo de POP STAR não os seleciono por tamanho de fama, mas sim, por saber que essa fama é determinante para o jogo.

É papel da arte questionar as circunstâncias, mas o que gostaria de questionar é se as circunstâncias de venda, fama e construção de artistas mudou ou se sempre foi construída da mesma forma e seus agentes apenas mudaram de nome. Seriam os likes os novos críticos, o instagram a nova revista de arte e as empresas os novos mecenas?

Para começar essa discussão fui buscar algo na arte digamos tradicional para tentar entender e construir essa “nova jornada da arte”. E nesse momento não abordarei o aspecto vendável que tanto me interessa mas sim quais elementos simbólicos ou não são necessários para essa construção. Dessa forma trarei o tema de 2020 da Arco em Madrid, que é uma das principais feiras de arte contemporânea da Europa e no ano passado tive o prazer de ouvir sua diretora, Maribel López, falar na minha especialização em Madrid e logo após conhecer a feira que ocupa 2 enormes galpões com as principais galerias do mundo.

A Arco esse ano — que todos os anos homenageia um país — escolheu como tema o trabalho de Felix Gonzalez-Torres: “Untitled — It’s just a matter of time”, ao invés de um país. Gonzalez-Torres é um artista nascido em Cuba que teve seu trabalho reconhecido no final dos anos 80 até sua morte em 1996. Costumava usar sua arte em conjunto com causas sociais e políticas, sempre com o objetivo de transformar o espectador de destinatário passivo a um observador ativo e reflexivo. Seu trabalho, “Sem título (é apenas uma questão de tempo)” é um exemplo perfeito disso. O outdoor foi exibido originalmente em 1992 em Hamburgo, na Alemanha, em uma exposição intitulada “Gegendarstellung: Ética / Estética em tempos de AIDS”. Durante essa exposição, a peça também foi instalada em cidades de todo o mundo — traduzida para o idioma oficial do país em que foi exibido.

Credit: andrearosengallery.com

De lá para cá esse trabalho foi reexibido em diferentes lugares, contextos, idiomas e circunstâncias políticas, porém sua superfície e formato continuam os mesmos, é sempre exibido em um outdoor num fundo preto com tipologia clássica de Fraktur — um tipo distintamente gótico com um vínculo forte com a morte (já que foi usado fortemente como o “verdadeiro” script alemão durante a Alemanha nazista) e sempre que exibido a mensagem permanece atemporal, fazendo com que esses novos contextos e locais de exibição tornem o significado cada vez mais contraditório e o texto mais poderoso.

Porém não é o motivo pelo qual a Arco escolheu o trabalho de Gonzalez-Torres como tema que me interessa, mas como isso dialoga com o meu interesse pela “nova jornada da arte”. “It’s just matter of time” me faz questionar sobre o tempo de um trabalho e o tempo de um artista e mais do que isso me faz refletir sobre o papel simbólico de um trabalho exposto em outdoor em tempos onde o que se chama arte comercial é tão propagada e impulsionada por parcerias com empresas e em como a arte hoje tem um papel importante na construção de valor para as marcas.
Outro ponto importante a se destacar é o uso de frases de efeitos, que hoje podem ser substituídas por artes militantes ou de causas, onde os artistas se identificam e apropriam para que sejam suas bandeiras nesse tão importante mundo de opiniões que constrõem seu lugar de astro. E por fim mas não menos importante, será mesmo apenas uma questão de tempo? Será essa jornada apenas uma moda de início de milênio? Ou será realmente uma “nova jornada da arte”?

Essas respostas assim como a arte não tem uma verdade absoluta, se constroem e tornam-se verdadeiras nas circunstâncias que ocorrem, e esse texto não tem como objetivo trazer respostas mas abrir uma reflexão sobre os novos artistas, seus novos consumidores e como isso tudo se constrói. Espero que goste e contribua (se quiser), pode ser no seu tempo. 😉

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