Por: Carolina Herszenhut
O que define a arte contemporânea? Em definição Arte Contemporânea é uma tendência artística que nasceu na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Também conhecida como Arte Pós-Moderna, essa tendência teve início, sobretudo, com o advento da Pop Art e do minimalismo.
Nessa mesma “contemporaneidade” existe uma corrente artística, a Arte Urbana, que se no inicia no Brasil na década de 70, mais precisamente na cidade de São Paulo, e passa a dialogar diretamente com as pessoas que passam nas ruas e são impactadas diariamente por esses trabalhos sem precisar recorrer aos espaços “consagrados da arte como museus e galerias”.
Porém por ser um trabalho que acontece livre das aceitações do mercado ele segue até hoje a margem da “arte contemporânea” e do que podemos chamar “sistema da arte”.
Segundo Pierre Bourdieu, o “campo da arte” pode ser definido como um “sistema” ou “espaço” estruturado de posições, que possui regras instituídas que regem o acesso e o êxito no campo e que determinam a posição ocupada por seus agentes, que lutam pela apropriação do “capital cultural”.
O mercado da arte (Ver Sarah Thorton — Sete dias no mundo da Arte e Raghuram Rajan — O Tubarão de 12 milhões de dólares) é bastante complexo, inclui diferentes agentes e instituições, e pode ser entendido de forma bastante organizada a fim de atender constantemente os interesses do mercado, Thorton em seu livro “Sete Dias no Mundo da Arte) desecreve 7 macro agentes definidores e podemos perceber que o artista é o de menor valor.
Nele percebemos que são os galeristas, curadores, feiras, museus, leiloeiros, escolas de arte que vão definir quem é um artista contemporâneo e quem não pode adentrar esse mundo mágico e inacessível.
No meu trabalho na Aborda, única plataforma Brasileira que gerencia carreiras de artistas visuais, em sua maioria artistas urbanos, temos constantemente trocas a fim de entender quais os motivos que levam a arte urbana não ser considerada uma “arte contemporânea”: como uma manifestação artística que esta presente na contemporaneidade e que esta presente na rua e que pode ser considerado o maior e mais democrático museu do mundo não faz parte desse recorte?
Em nosso podcast “abordaria”, gravado em maio de 2023, com os curadores, Paula Borghi e Icaro Ferraz Vidal Junior, debatemos essa questão e uma das falas do Ícaro me fez pensar em algo que eu pudesse começar a entender um dos motivos.
Faz parte desse mercado da arte, o tão importante “cubo branco”, e a partir de um texto do Ícaro e também do conceito de exclusividade que tanto permeia arte pude entender que aquilo que para artistas urbanos é tão importante que é a democratização de seus trabalhos e a proximidade com a sociedade, é a ideia oposta que vai fazer surgir o cubo branco e então afastar completamente a arte contemporanea da arte pública.
De acordo com o texto “Corpo, percepção e valor no pensamento curatorial contemporâneo” publicado na Revista Novos Olhares, por Vidal Junior:
Os ensaios que compõem o volume Inside the white cube: the ideology of the gallery space, de Brian O’Doherty (2012), tornaram-se referências fundamentais na literatura contemporânea sobre artes visuais…
Os ensaios de O’Doherty debruçam-se sobre uma configuração espacial específica, que se tornou hegemônica nas exposições de arte moderna e contemporânea e dá título ao seu livro: o cubo branco. A galeria de arte tem seu espaço descrito pelo autor nos seguintes termos:
“Uma galeria é construída baseada em leis rigorosas, como aquelas que orientavam a edificação de uma igreja medieval. Porque o mundo externo deve permanecer fora, em geral as janelas são seladas; as paredes são pintadas de branco; o teto torna-se fonte de luz. O piso de madeira é tão polido que percebe-se distintamente os rumores dos passos, ou é coberto por um tapete que amortece aquele som, permitindo pousar os pés enquanto os olhos tomam de assalto a parede.”(O’DOHERTY)
Ao pensarmos na cronologia que marca o desenvolvimento do cubo branco como forma hegemônica de expor e de ver obras de arte, podemos observar que ela é em larga medida contemporânea do processo de desenvolvimento urbano que culmina nas grandes cidades modernas. No que concerne às imagens, o desenvolvimento urbano e comercial, contemporâneo do desenvolvimento de tecnologias de produção e reprodução de imagens e do campo da publicidade, que então se profissionalizava, culmina na configuração de novos ambientes visuais, como o que podemos observar em grandes avenidas comerciais — dentre as quais, a Times Square em Nova York segue sendo paradigmática (Figura abaixo) — que se assemelham enormemente, com sua profusão de anúncios publicitários, aos já referidos salões de arte, que vigoraram como modelo de exposição de arte até o início do século XX.
Uma questão que nos parece fundamental, portanto, emerge da complexidade do ecossistema mediático moderno, no qual a imagem reprodutível espraia-se sobre as urbes como uma segunda pele. Neste contexto, um ponto importante parece ter sido negligenciado por grande parte dos estudos que investiram no campo das exposições artísticas, isolando a imagem da arte das demais imagens do mundo: a descontextualização das obras de arte de seu entorno sociocultural e a sublimação da corporalidade talvez sejam efeitos colaterais do cubo branco, e não seus objetivos primordiais. O desenvolvimento do cubo branco parece comprometido com um desejo de chancelar, em meio à profusão das imagens mediáticas, algumas imagens como sendo dignas de uma percepção de tipo bem específico, protegendo as imagens artísticas dos famintos ambientes mediáticos.
Ao ler essa última frase do artigo do Ícaro, me vem em partes a resposta que muitos artistas urbanos buscam: é no desejo de distinção e de segregação que arte perpetua que está a impossibilidade de borrar essas barreiras entre a arte contemporânea e a arte pública, pois ao propor o encontro imediato e sem distinção com as pessoas a arte publica fica imediatamente barrada de entrar no que ouso dizer ser a mais importante espaço da arte contemporânea que é o Cubo Branco, pois a ela pertence a rua, aquele espaço que o cubo branco busca se distanciar.
Agora fica a pergunta, porque artistas urbanos que buscaram na rua um espaço e uma possibilidade de ter seus trabalhos expostos e “consumidos” querem tanto estar nessa “instituição” que por principio em nada dialoga com seus trabalhos?
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