Por: Carolina Herszenhut
Dizem que o artista é a antena do seu tempo e é num mundo onde essas antenas não pertencem às mulheres que decidi que 17 histórias mereciam ser contadas.
Quando começou a quarentena, eu, como a maioria as pessoas, comecei a pensar o que poderia fazer dentro do meu campo de atuação que de alguma forma fortalecesse a área que trabalho. Decidi então que iria acessar algumas artistas mulheres e que a partir delas criaríamos uma pequena rede de indicações onde pudéssemos utilizar as tão batidas “lives” (vídeos ao vivo em mídias sociais) para conversarmos sobre como se dava o processo de produção, desenvolvimento de trabalhos, dificuldades enfrentadas e por fim como estavam passando a quarentena.
Sem juízo de valor artístico, posicionamento no mercado, técnica utiliza ou temática de interesse, ouvi cada uma delas a fim de conhecer um pouco mais sobre seus trabalhos, mas foi sobretudo por acreditar que um futuro diferente depende de um outro tipo de registro do presente que toquei esse projeto.
Às mulheres sempre foi dado o “direito” de permanecer em casa, não obstante são atividades artísticas consideradas femininas: o bordado, a pintura em miniatura, os têxteis e tudo mais que o sistema da arte considera uma arte menor. Não existem “gênias” da pintura, não pertencem a elas os retratos das vidas noturnas e das ruas, historicamente não lhe são dadas nem ao menos o direito de terem suas biografias escritas.
Durante 17 dias seguidos conversei com cada uma, durante aproximadamente 1 hora e desde então sento em frente ao computador para tentar escrever como foi esse processo. Queria contar um pouco do que cada uma falou e de seus diferentes trabalhos, porém não havia encontrado uma linha que pudesse ligar todos os pontos. E assim não conseguia publicar suas histórias.
Até que ontem me caiu a ficha, e entendi que falar de arte feminina em toda instância é falar de afeto, ou muitas vezes, de desafeto.
Os assuntos foram vários, e todos, em algum momento, passaram pelas relações dessas mulheres com os homens. Desde os amores que as introduziram no mundo do graffiti, da dificuldade de encontrar locais para pintar pois todos já pertenciam a algum homem, depressão, abusos, escolha de estilos masculinos para mostrarem que podem fazer algo que é de identificação dos homens, desenhos que foram feitos para celebração de alguma relação ou fuga de sentimentos.
Abrindo esse espaço, onde a ideia era inicialmente enaltecer o trabalho artístico, descobri que pautar o universo feminino é complexo e precisa ser visto a partir daquilo que nos move: o afeto. A criação artística é quase sempre motivada por emoções, dizem os artistas que seus sentimentos e suas angústias são a máquina propulsora de seus trabalhos, sendo eles homens ou mulheres.
Porém os psicanalistas relatam que falas femininas são feitas a partir do interno, e entende-se esse interno como nossos sentimentos e questões, ou seja, em algum ponto afetos. E que os homens constituem seus discursos a partir de questões externas, algo que poderia ser em algum momento explicado pelo falo, mas isso é um outro texto.
Pensando sobre essa diferença e analisando o trecho abaixo de “O feminismo é para todos” de Bell Hooks, é possível entendermos o desafeto que os homens têm pelas vozes das mulheres:
“O primeiro ato de violência que o patriarcado exige dos homens não é a violência contra as mulheres. Em vez disso, o patriarcado exige de todos os homens que pratiquem atos de automutilação psíquica, que matem suas partes emocionais.”
Entender que são questões externas o dinheiro, a fama e o reconhecimento do público é compreender o incômodo dos homens frente às mulheres e a sua constante capacidade de compartilhar e externar esse afeto gerando dinheiro, fama e reconhecimento a partir da sua capacidade de transformar (des)afeto em arte.
E mais do que isso, talvez nos explique o quanto isso nos transforma em figuras tão ameaçadoras e silenciadas por tanto tempo na história da arte.
O medo não é da arte, é do afeto.
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