No mês de junho deste ano, 2021, nossa artista Luna Bastos desenvolveu uma empena, que é a lateral cega de um edifício, dentro do programa MAR (Museu de Arte de Rua) da Secretaria de Cultura de São Paulo. A obra “Afrolatina”, que tem como inspiração a arte “América invertida” de Joaquin Torres Garcias, fala sobre migração, pertencimento, travessia e questiona o que entendemos como “norte”.
Luna nasceu em Teresina, no Piauí, e se mudou para São Paulo com o intuito de ampliar os estudos na área de psicologia. Ao longo do tempo surgiram trabalhos relacionados à arte. Segundo ela, sua mudança pro Rio de Janeiro partiu do desejo de se sentir conectada com a natureza e estar em um lugar que tivesse uma certa proximidade cultural com o Nordeste.
Depois de mais de uma mudança interestadual, durante a pandemia, iniciei uma pesquisa sobre a migração. Investiguei o sentimento de pertencimento, a identificação no processo de construção de identidades, memórias e subjetividades. Como se forma a individualidade em pessoas que precisaram deixar a terra natal? Como construir um espaço para si em meio a tantas travessias? Quais narrativas configuram o espaço onde habito? Todos esses questionamentos exerceram uma forte influência na arte que desenvolvi para essa empena.
Nossa artista usou como referência a obra “América Invertida” do artista uruguaio Torres García. Segundo Luna, esta obra nos convida a rever o que tomamos como referencial, muda a lógica e coloca o Sul como Norte, propondo uma outra América possível. Torres Garcia, nesta obra, fala a partir da teoria do ponto vista, uma teoria complexa pois depende de onde olhamos. Ou seja, a nossa cosmovisão está ligada a onde estamos situados. Forçar a virar a cabeça é virar a cosmovisão de cabeça para baixo, é nos forçar a virarmos, causar tontura, estranheza e incômodo.
A empena de Luna está localizada no bairro do Bixiga, região central da cidade de São Paulo, local amplamente conhecido pelos restaurantes e cultura italiana. O que muitos não sabem é que o bairro se formou a partir do primeiro quilombo urbano da cidade de São Paulo, o Quilombo Saracura, que recebia escravos livres e fugidos. A escola de samba Vai-Vai também foi criada no Bixiga e está intimamente ligada à história do povo preto no local. Até hoje, o bairro recebe muitos dos imigrantes que chegam em São Paulo.
A artista também comentou sobre o uso predominante do amarelo neste trabalho. Ela explica que por mais que a cor não seja predominante na sua produção artística, ela sempre esteve presente. Podemos observar que o amarelo envolve as personas das obras, como uma espécie de aura protetora. Luna destaca que a obra “Afrolatina” simboliza a vontade de contar a própria história e assim contrapor o processo de silenciamento de narrativas e identidades negras.
Nesta arte a cor ganhou um destaque maior pois representa minha relação com o Piauí, uma forma de simbolizar que sou “filha do Sol do Equador”. Para além de todas as referências, esta pintura representa meu próprio corpo em travessia. Eu transito entre espaços e reafirmo, através da arte, a minha existência, o desejo por liberdade de reconstruir e transformar minha própria imagem.
O projeto MAR tem como objetivo cem obras para as ruas de São Paulo em 2021 através de diversos tipos de artes visuais. Para realizar este trabalho tivemos a produção executiva da produtora Nalata e o auxílio do artista Pedro Becker, assistente da Luna no processo de pintura do mural. Os conteúdos em foto e vídeo foram feitos pelo fotógrafo Thiago Fernandes. A arte “Afrolatina”, de Luna Bastos, está na rua Fortaleza, localizada no bairro do Bixiga, cidade de São Paulo.
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